Estudo do Ibmec-RJ contesta viabilidade do trem-bala

A demanda de passageiros é uma das maiores interrogações no projeto do trem de alta velocidade (TAV), que unirá as duas principais metrópoles brasileiras....
A demanda de passageiros é uma das maiores interrogações no projeto do trem de alta velocidade (TAV), que unirá as duas principais metrópoles brasileiras. Cálculo preliminar feito pelo Ibmec-RJ a partir das variáveis do edital, como investimento inicial, tarifa, percurso e capacidade, indica que seria necessária lotação integral durante toda a operação entre Rio e São Paulo para garantir a viabilidade econômica do trem-bala.
É um cálculo preliminar, porque não dispomos de informações abertas de todos os itens necessários para um estudo mais aprofundado. Tomando como referência o teto da tarifa, a viabilidade econômica - do ponto de vista pura e simplesmente do investidor - se daria com uma taxa de ocupação de quase 100% do uso dos trens, o que é inviável, basicamente impossível, explica Luiz Magalhães Ozório, professor de Finanças do Ibmec.
Roberto Zentgraf, coordenador dos MBAs do Ibmec e coautor do estudo, explica que, além da perspectiva de investimento de R$ 33 bilhões e da fixação da tarifa de R$ 0,49 por quilômetro, foram verificados os percursos, tomando como referência uma taxa de ocupação próxima ao que hoje se verifica em outros modais de transporte, como a ponte aérea e a ponte rodoviária. Usamos números de custos e margens de lucro de empresas no exterior, principalmente da França e do Japão, explicou.
Os professores chamam a atenção para a ocupação atual da ponte aérea Rio-São Paulo, um dos corredores nacionais mais rentáveis de transporte de passageiros: 57%. Obviamente, algumas companhias conseguem a totalidade em alguns horários, mas não todo o tempo. Tomando isso como referência, uma taxa de mais de 90% não nos parece viável, mesmo com uma taxa de eficiência bem alta, a não ser que fosse elevado o valor da tarifa. Mas aí o projeto perderia em competitividade de preços.
Receita
O edital da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) estima uma receita anual de R$ 1,314 bilhão para o trem-bala, sendo R$ 811,7 milhões em horário de pico e outros R$ 502,2 milhões fora dele. A participação de mercado prevista no edital é 52,9% do mercado total. Sem contar o trem-bala, as projeções apresentadas no documento revelam que, em 2014, a demanda total entre Rio de Janeiro e São Paulo será de 10,7 milhões de viagens, com uma participação de mercado para avião de 68%, 16% para carro e 15% para ônibus.
Ainda de acordo com o estudo apresentado no edital da ANTT, a projeção para 2014 revela que o fluxo maior de passageiros do trem-bala ficará entre São Paulo e Campinas, com 12,3 milhões de passageiros. O segundo maior fluxo é São José dos Campos-São Paulo, com 8,6 milhões de passageiros. O terceiro, entre Rio de Janeiro e Volta Redonda/Barra Mansa, com quase 2,6 milhões. Todos os outros fluxos - como, por exemplo, Rio de Janeiro-São José dos Campos - geram baixos níveis de demanda.
O TAV é bem-sucedido na demanda desviada do carro em viagens mais curtas, que têm uma finalidade de viagem a trabalho, tais como Rio de Janeiro-Volta Redonda e São Paulo-Campinas, conclui o estudo. Se o trem de alta velocidade fosse colocado em operação em 2008, data do primeiro levantamento, um pouco menos da metade das viagens existentes entre Rio de Janeiro e São Paulo seria desviada para o trem-bala. A previsão é que cerca de 46% das viagens aéreas, 60% das viagens de ônibus e 38% das viagens de carro seriam desviados, diz o texto do documento.
Migração
Pedro Janot, presidente da Azul Linhas Aéreas, companhia que oferece voos entre o Rio e Campinas, concorda que alguns passageiros podem migrar para o trem-bala. Num primeiro momento, o trem-bala pode roubar um pouco dos passageiros do avião, mas numa segunda etapa os dois modais vão crescer juntos. Adotando a linha da boa concorrência, ele afirma que o projeto criará sinergia com os aeroportos. A ponte aérea é um produto caro e elitista. O trem-bala trará competição a essas estruturas. Há mercado para os dois produtos, mas certamente vamos ter de nos adequar a essa nova competição.
A Gol também diz defender investimentos em infraestrutura, especialmente os que permitem mais acesso das populações do interior aos principais aeroportos. Em nota, a companhia declarou, no entanto, que considera prematuro fazer avaliações detalhadas a respeito do impacto do trem-bala sobre a demanda do setor de aviação comercial. Procurada, A TAM não quis comentar o assunto.
Os professores do Ibmec-RJ fizeram uma simulação para uma taxa de ocupação do trem-bala entre 40% e 50%. A tarifa que se precisaria cobrar para garantir a rentabilidade seria próxima a R$ 1 por quilômetro, o dobro do que está sendo pedido, diz Ozório. Ele lembra que isso determinaria uma passagem final em torno de R$ 400. Seria R$ 100 a mais do que a tarifa média da ponte aérea, o que criaria outra dificuldade de competitividade.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que vai financiar o projeto, não quis comentar o estudo realizado pelo Ibmec-RJ. O banco lembra que está na internet, no site da ANTT ( www.tavbrasil.gov.br), à disposição da sociedade, o amplo e profundo estudo de viabilidade técnica e econômica para implantação do trem de alta velocidade (TAV) Rio-São Paulo, realizado por consultoria especializada, selecionada mediante concorrência internacional organizada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, diz nota enviada pelo banco.
Operação deficitária
Os professores do Ibmec ressaltam que, no mundo inteiro, operações como a do trem-bala costumam ser deficitárias, ao menos nos primeiros anos. Isso não é exclusivo do Brasil. É um tipo de investimento que não deve ser olhado só pelo lado financeiro, diz Zentgraf. O professor argumenta ainda que a entrada do Estado empreendedor será necessária para garantir a obra, com financiamento de baixo custo e renúncia fiscal.
O Estado precisa saber elencar o que é mais importante. Nos próximos anos, teremos dois eventos que vão exigir investimentos enormes. E me pergunto: é melhor investir em infraestrutura de aeroporto, para receber as pessoas que vêm para cá, em segurança ou no trem-bala? O Brasil precisa começar a pensar de que forma o dinheiro público é usado, porque ele é escasso, diz Zentgraf.

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