O lado humano do Lean

Novo livro sobre o Modelo Toyota de Gestão mostra que a qualidade das relações interpressoais e a motivação dos funcionários sempre foram essenciais para o conceito...
O Modelo Toyota de Gestão já desfrutou de melhor prestígio. Desde que seu maior porta-voz – a própria Toyota – começou a emendar recalls em série, o sistema de produção que revolucionou a indústria global afundou em uma maré de questionamentos. Mesmo assim, não faltam pessoas dispostas a enaltecê-lo, como prova a leitura de O Nascimento do Lean – Conversas com Taiichi Ohno, Eiji Toyoda e Outras Pessoas Que Deram Forma ao Modelo Toyota de Gestão, de Koichi Shimokawa e Takahiro Fujimoto. Publicado pela primeira vez fora do Japão, numa parceria entre a editora Bookman e o Lean Institute Brasil, o livro mostra a trajetória do Modelo Toyota por meio de uma série de entrevistas e conversas anotadas com seus mais importantes criadores. Entre eles estão Taiichi Ohno, o homem que imaginou o método original que, mais tarde, acabaria se tornando o Sistema Toyota; Eiji Toyoda, o ex-presidente da montadora Toyota que supervisionou o desenvolvimento do sistema; e Kikuo Suzumura, gerente da Toyota reconhecido como o mais influente na implementação das ideias de Ohno.
O resultado é uma obra mais aprazível do que a média dos livros que tratam do Sistema Toyota. Uma a uma, as entrevistas vão revelando detalhes de bastidores sobre a implantação do modelo de gestão que, em poucos anos, daria origem a uma verdadeira revolução industrial. Os episódios recontados por Shimokawa e Fujimoto mostram, por exemplo, que a relação entre os gerentes de produção e os criadores do conceito era especialmente turbulenta nas primeiras experiências dentro da Toyota. Os funcionários não entendiam o senso de urgência e a cobrança por velocidade em alguns processos básicos – entre eles, o de descartar estoques. Até então, os montadores estavam acostumados a fazer o descarte somente nos sábados, quando o armazém já estava mais abarrotado e havia mais espaço para transitar dentro da companhia. Depois de muita discussão, Kikuo Suzumura finalmente convenceu os gerentes a se livrar dos estoques diariamente, abrindo espaço à ampliação e modernização daquilo que realmente interessava: a linha de montagem. Os próprios gestores – principalmente Ohno – ajudavam os funcionários a executar as tarefas.
No início, o Kanban – conceito que traduz a “caça ao desperdício” do Modelo Toyota – não se restringia a reduzir estoques ou elevar a capacidade produtiva das unidades fabris. Sua verdadeira função era criar um clima de mobilização que levasse as pessoas a executar tarefas com mais empenho. Aqui, Shimokawa e Fujimoto revelam um lado surpreendente do Sistema Toyota – a face humana. Historicamente, tanto os japoneses quanto o modelo de produção da Toyota tinham fama de frios e impessoais. Mas O Nascimento do Lean sugere que as coisas não eram exatamente assim – mostra que a qualidade das relações interpressoais e a motivação dos funcionários sempre foram essenciais para o conceito.
O livro traz, ainda, duas entrevistas de Eiji Toyoda concedidas em 1987 e 1998. A certa altura, ele afirma que jamais ignorou o lado “humano” da Toyota. Mostra-se um líder atento às motivações de seus funcionários e demonstra ser tolerante ao erro – diz, inclusive, que os funcionários devem aprender com suas próprias falhas. “Sempre digo para que deem o melhor de si e que não se preocupem com os erros. Também digo para prepararem relatórios sobre coisas que dão errado, embora muitos não sigam esse conselho. Se não escrevemos o que dá errado e nos limitamos a manter na memória nossas experiências, nada do que aprendemos será compartilhado com a próxima geração”, ensina. Resta saber se os tais relatórios ajudarão a companhia a interromper seu ciclo de recalls.

Fonte: Revista Amanhã

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