Sudeste e Sul: tão longe e tão perto

BR-116 dá sinais de estrangulamento e compromete a principal ligação entre regiões que já sofrem com a falta de opção de outros modais de transporte...
Com quase meio século de existência e até hoje ainda não duplicada totalmente, a Rodovia Régis Bittencourt (São Paulo-Curitiba), principal ligação entre as regiões Sudeste e Sul, dá sinais de esgotamento. Diariamente, passam por esse trecho da BR-116 cerca 100 mil veículos, segundo estimativa da OHL Autopista Régis Bittencourt, concessionária que administra a estrada. A região mais crítica é a Serra do Cafezal, também conhecida como “serra do 90”, cujos 30,5 quilômetros em pista simples de mão dupla provocam um estrangulamento no tráfego. O excesso de chuvas dos últimos meses, por sua vez, causou deslizamentos de terra, responsáveis por pelo menos seis interdições neste verão, entre totais e parciais.
Motoristas e passageiros ficam reféns da Régis por falta de opção. No Paraná, a BR-101 não existe, a BR-153 ainda não foi concluída, e rotas alternativas para São Paulo pelo Vale do Ribeira ou pelo Norte Pioneiro se tornam inviáveis por causa das maiores distâncias, dos trechos sinuosos e do pedágio mais caro em trechos no interior dos dois estados. Faltam ainda investimentos em outros modais de transporte de carga e passageiros.
A situação está ruim, mas já foi pior. Antes da duplicação da maior parte do trecho, a Régis Bittencourt ostentava o nada lisonjeiro epíteto de “Rodovia da Morte”. Há alguns anos a estrada deixou de ser a campeã brasileira em acidentes fatais – hoje o título pertence à Fernão Dias, nome que a BR-381 recebe no trecho entre Belo Horizonte e São Paulo. No entanto, nos 30,5 km da Serra do Cafezal, o índice de acidentes é 46% maior que no restante da via. A pista simples ainda é responsável pela formação de longas filas nos dias de maior movimento.
O prazo fixado inicialmente para a OHL concluir a duplicação da Serra do Cafezal era 2012. Neste ano, porém, o governo concedeu à concessionária mais doze meses para executar a obra. O projeto ainda não saiu do papel, pois aguarda liberação dos órgãos ambientais.
Usuários da Régis Bittencourt admitem que já viram a estrada em piores condições, mas ressaltam que ainda há muito a ser feito. “Tem dia que a gente pega 50 quilômetros de fila e leva seis horas para subir a Serra do 90”, afirma caminhoneiro Éderson Dias, que há oito anos percorre o trecho três vezes por semana. O caminhoneiro Ademílson da Silva da Paz, que passa pela estrada duas a três vezes por mês, tem críticas também à Serra do Azeite. “Há muitas curvas, e a pista é estreita”, reclama. “Tente ultrapassar uma carreta para ver.”
Gerente operacional da Viação Itapemirim, Edmar Azílton Xavier considera a BR-116 entre São Paulo e Curitiba em boas condições de tráfego. Mesmo assim, a segurança é objeto do programa de capacitação profissional da empresa. “Reciclamos nossos 2,1 mil motoristas a, pelo menos, cada 12 meses, quanto aos conceitos de condução defensiva, condução econômica, atualizando-os sobre as condições das estradas, utilizando exemplos de ocorrências para que se possa aprender e evitar que se repitam”, explica o gerente.
Alternativas:
Na opinião da professora Gilza Fernandes Blasi, do Departamento de Transportes da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a implantação da BR-101 no Paraná seria uma opção para desafogar a BR-116. “Seria preciso sentar para negociar com os órgãos ambientais”, lembra. “Uma solução seria adotar o conceito de construção verde. Haveria restrições à ocupação ao longo da via para minimizar o impacto ambiental.”
Para o transporte de cargas, Gilza defende a navegação de cabotagem como alternativa. “O problema são as leis confusas que regem as concessões no setor”, afirma. “A regulamentação é necessária, mas o excesso de burocracia inviabiliza o transporte marítimo.” Segundo a professora, o modal seria o mais indicado para escoar a produção da indústria automobilística a longas distâncias. “É um contrassenso transportar veículos nos caminhões-cegonheiras”, afirma.
Falta também uma ligação ferroviária direta entre São Paulo e Curitiba. O presidente da Fer­roeste, Samuel Gomes, é um defensor da reativação do sistema ferroviário brasileiro, mas com controle público. “A privatização, feita pelo governo FHC e mantida pelo governo Lula, foi um desastre”, afirma. “Em 12 anos, o problema logístico se agravou.” Segundo Gomes, as tarifas cobradas pelo monopólio privado inviabilizam o uso das ferrovias. “Eles se baseiam no frete rodoviário, o que é um absurdo”, critica. “O atrito entre as rodas e trilhos de ferro é muito menor, por isso o transporte nas estradas de ferro tem um custo menor que nas estradas de rodagem.”
Além dos trens de média velocidade – 80 a 100 km/h para o transporte de cargas e 130 a 150 km/h para o transporte de passageiros –, o presidente da Ferroeste apoia a implantação do trem-bala entre Curitiba e São Paulo. Operando a mais de 200 km/h – provavelmente a 300 km/h –, seria uma alternativa mais cômoda, segura e confortável aos transportes aéreo e rodoviário de passageiros, que hoje operam no limite da capacidade.
“Em 2008, acompanhei o professor Jurimar Cavichiolo, do Banco de Ideias do Instituto de Engenharia do Paraná, na apresentação do projeto em Amsterdã”, lembra. O custo de implantação é estimado em US$ 6 bilhões. “A partir de uma demanda de 5 milhões de passageiros por ano, o projeto começa a ser viável”, afirma. “Nos­­sos estudos apontam uma demanda de 8 milhões de passageiros por ano, que pode crescer em até 30% quando o trem-bala estiver em ope­­ração. É a chamada de­­manda induzida.”

Fonte: Gazeta do Povo

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