Anvisa tem feito discussões sobre a logística reversa de medicamentos[...]
A ida ao médico e as compras na farmácia são recompensadas com a melhora do paciente. Depois da recuperação, contudo, cartelas incompletas de remédios ou vidros com restos de xarope permanecem guardados no armário (uma espécie de ambulatório caseiro). É comum que, com o passar do tempo, o prazo de validade expire, e as drogas fiquem armazenadas até serem descartadas no lixo doméstico comum - estima-se que 11% dos remédios produzidos não sejam utilizados. A prática é imprópria, e é por isso que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) organizou um Grupo Técnico (GT) que está discutindo a metodologia da logística reversa de medicamentos no Brasil.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010, serve de base para o debate. Por enquanto, o GT Descarte de Medicamentos da Anvisa ainda está estipulando como a operação será realizada e financiada, uma vez que não há legislação específica a nível federal. O Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) está desenvolvendo um estudo de viabilidade técnica e econômica para a implementação de uma logística oficial para esse fim. Hoje, as iniciativas de coleta de remédios vencidos são todas voluntárias e contam com financiamento privado.
O programa Descarte Consciente, promovido pela Brasil Health Service (BHS), é um dos que visa a coletar medicamentos vencidos com a colaboração dos próprios consumidores. Em operação desde novembro de 2010 e presente em 11 estados brasileiros, o projeto é executado por meio de uma cadeia que envolve o paciente, o farmacêutico, a transportadora e o centro de destino. Estações coletoras (apelidadas de ECOMed) estão instaladas em farmácias e recebem os medicamentos já com prazo de validade expirado, registrando (geralmente pelo código de barras) o tipo e a quantidade descartada. Depois disso, o cliente deve separar caixa e bula, que podem ser reciclados, do medicamento, que é depositado em um dos dois recipientes (o primeiro, destinado a pomadas e comprimidos; o segundo, a líquidos e sprays).
O sócio diretor da BHS e idealizador do projeto, José Agostini Roxo, explica que o registro serve para a formulação de uma lista com todos os medicamentos que serão transportados. Além disso, o farmacêutico fica responsável por pesar e lacrar o material e repassar os dados pelo sistema. A rastreabilidade dos medicamentos é importante para evitar que os produtos sejam desviados, e viabiliza ainda o descarte de remédios cuja venda é controlada, como antibióticos e psicotrópicos. "É um local seguro para receber e armazenar o medicamento até a chegada da transportadora", garante. No caso dos controlados, a permissão ainda depende de uma autorização dos órgãos municipais de vigilância sanitária.
Atualmente, as coletas costumam ser feitas mensalmente por uma transportadora especializada. Entre elas, a Stericycle, empresa americana que opera no Brasil há cerca de dois anos e efetua coleta, transporte, tratamento e destinação dos medicamentos vencidos. O gerente corporativo da Stericycle, Fernando Bustamante, detalha que a companhia conta com 29 unidades de tratamento no País, onde o material descartado pelos consumidores é triturado e incinerado. "As cinzas que sobram vão para um aterro sanitário", explica. Os caminhões utilizados no transporte são lacrados e, após cada viagem, passam por um processo de higienização.
A iniciativa de recolher medicamentos vencidos ainda é nova no Brasil. "O volume é muito baixo", observa Bustamante. O gerente corporativo da Stericycle estima que sejam transportadas cerca de duas toneladas de remédios descartados por mês no País - número equivalente à média diária na Europa e nos Estados Unidos. Nos próximos cinco anos, a expectativa é aumentar o volume por meio de campanhas de conscientização.
Estudo pretende oferecer solução logística
O estudo da Unicamp vem servindo como base para uma proposta de política de resíduos sólidos voltada para a logística reversa de medicamentos, estabelecendo o uso domiciliar como setor prioritário de ação. Responsável pela pesquisa, o professor do Instituto de Economia da Unicamp Célio Hiratuka explica que existem três alternativas corretas para a destinação final desses compostos: incineração, processamento ou aterro industrial. "Depois que sobra na casa do consumidor, nenhum tipo de reaproveitamento é viável. O ideal é que seja descartado, para que não vá para aterro sanitário comum ou rede de esgoto", salienta o professor.
Pelo decreto de 2010, os geradores também são responsáveis pelo descarte correto dos resíduos sólidos. O GT pretende, portanto, lançar no Brasil uma dinâmica onde todos os atores da cadeia contribuam para o destino certo dos remédios. Para isso, estão sendo observadas experiências de sucesso na França, na Espanha e em Portugal. "A ideia é de que o ponto de coleta seja a farmácia. Depois, que isso seja recolhido e vá diretamente para o centro de destinação, ou fique armazenado temporariamente", detalha o Hiratuka.
O grande desafio, segundo o professor, é uma regulamentação que não permite que o recolhimento dos resíduos sólidos seja feito pelo mesmo veículo que distribui o produto recém fabricado. Eles precisam ser transportados separadamente. "Isso inicialmente inviabiliza um sistema em que a distribuidora possa fazer o transporte de resíduo", conclui Hiratuka. A medida exige que empresas especializadas sejam contratadas para cumprir o serviço, o que pode encarecer a operação.
Outra questão é a estocagem. O GT pretende definir como esses medicamentos serão embalados. O professor destaca que a maioria dos produtos químicos utilizados nas composições não representa grande perigo, mas alguns medicamentos, como hormônios, antibióticos e alguns utilizados em tratamentos intensivos como câncer, podem exigir cuidados especiais no manuseio e na movimentação. A Anvisa está organizando a discussão e reúne representantes do governo e da iniciativa privada na tentativa de elaborar um acordo setorial. A ideia é estabelecer as diretrizes e definir como será o financiamento da operação.
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