Este ano o Brasil
está colhendo a maior safra da sua História. Serão 185 milhões de
toneladas (MT) de grãos e oleaginosas, 11% mais do que na safra
anterior. Viramos o primeiro produtor (84 MT) e exportador (41 MT)
mundial de soja. Também tomamos dos americanos a posição de primeiro
exportador mundial de milho (25 MT, ante 23 MT dos EUA), um fato inédito
e surpreendente que decorre da terrível seca que atingiu aquele país em
meados do ano passado e provocou uma quebra de safra superior a 110
milhões de toneladas de grãos.
Em recente evento de que participei nos EUA, a principal questão
não era saber a estimativa de quanto o Brasil vai produzir nesta safra,
mas sim os volumes de soja e milho que serão efetivamente escoados
através de nossos portos até o início da próxima safra americana.
Ninguém mais tem dúvida de que o Brasil consegue responder rapidamente
na produção. Basta dizer que só na soja ampliamos a área plantada em
quase 3 milhões de hectares em apenas um ano. A segunda safra de milho -
erroneamente chamada de "safrinha" e plantada após a colheita de soja
no mesmo ano agrícola - superou a safra de verão em mais de 6 MT nos
dois últimos anos. Trata-se de uma notável vantagem competitiva da
agricultura tropical, que jamais vai ocorrer em países de clima
temperado.
Acontece que em apenas um ano aumentamos a nossa exportação
"potencial" de milho e soja em 18 milhões de toneladas, 36% mais do que
na safra passada. Vale notar que o grosso da expansão de soja e milho se
dá nos Estados de Mato Grosso, Goiás e Bahia, em áreas que se situam
entre 1.000 e 2.300 km de distância dos portos. Se somarmos ainda as
exportações de 25 MT de açúcar e a importação de 18 MT de
matérias-primas para fertilizantes, não é de espantar que este ano
assistiremos, passivos e apavorados, à maior asfixia na logística de
granéis da nossa História!
Neste momento, as filas de navios para atracar nos Portos de
Santos e de Paranaguá estão duas a três vezes maiores do que há um ano.
Na última quinta-feira havia 82 navios esperando para carregar grãos no
Porto de Paranaguá, ante 31 nesta mesma época do ano passado. Em Santos
havia 59 navios, ante 29 há um ano. O custo médio de demurrage de um
navio parado esperando carga é de US$ 30 mil por dia. Em seminário do
Banco Itaú-BBA realizado na semana passada, operadores relataram que
para evitar 45 dias de fila de espera em Paranaguá eles decidiram mandar
os caminhões para o Porto de Rio Grande, onde as filas duram menos de
dez dias. Ou seja, depois de rodar 2.300 km do norte de Mato Grosso até
Paranaguá, a soja ainda tem de rodar outros 1.100 km para pegar uma
"fila mais rápida" no Rio Grande do Sul. Uma verdadeira insanidade!
Para complicar ainda mais, a Lei 12.619, que restringe a jornada
de trabalho dos caminhoneiros e o tempo de condução dos veículos, teve o
efeito prático de "retirar" mais de 500 mil carretas das estradas. Os
fretes de cargas já subiram entre 25% e 50% este ano. Além disso, o
processo de votação da Medida Provisória n.º 595 - a chamada MP dos
Portos, que propõe novas regras para a modernização destes - tem
produzido uma sucessão de greves em escala nacional, que só tende a
piorar com o avanço das negociações.
Essa situação calamitosa nos leva a pelo menos três reflexões
importantes. A primeira delas, e mais óbvia, é a necessidade urgente de
votar os novos marcos regulatórios que modernizariam a logística
brasileira, particularmente a MP dos Portos. Apesar da calamidade nas
estradas, da insuficiência histórica de ferrovias e hidrovias e da falta
de armazéns (nossa capacidade de armazenagem equivale a 72% da safra de
soja e milho, ante 133% nos EUA), o pior gargalo do País neste momento,
de longe, são os portos. É hora de vencer a reserva de mercado, a
burocracia e o corporativismo de um dos setores mais atrasados da
economia brasileira.
A segunda é a necessidade urgente de viabilização sistêmica da
nova logística do Norte do País, traduzida no escoamento pelos Portos de
Itacoatiara (Rio Madeira), Santarém (Amazonas), Marabá (Tocantins),
Miritituba (Teles Pires/Tapajós) e Vila do Conde (confluência do
Amazonas e do Tocantins, no Pará), na conclusão da pavimentação das
rodovias BR-163 e BR-158 e das Ferrovias de Integração Norte-Sul (FNS),
Centro-Oeste (Fico), Oeste-Leste (Fiol) e Transnordestina. Basta dizer
que 60% da produção de grãos se concentra nos cerrados, que serão
beneficiados pela nova logística, mas só 14% dela é hoje escoada pelos
portos do Norte e Nordeste. A viabilização dos novos corredores
permitiria exportarmos com navios Capesize, que transportam 120 mil
toneladas de grãos, o dobro da capacidade dos navios Panamax, hoje
utilizados. Com a futura passagem desses navios pelo Canal do Panamá, em
2014, será possível reduzir em pelo menos 20% o frete marítimo para a
China, que já responde por 40% da nossa exportação de grãos, além da
redução potencial dos fretes terrestres, pelo uso de ferrovias e
hidrovias.
A terceira reflexão tem que ver com o longo prazo. Precisamos
estudar qual seria o melhor modelo de inserção do Brasil no agronegócio
global do futuro. Hoje estamos engargalados num sistema ineficiente de
transporte de soja e milho por caminhões, portos velhos e caros e navios
pequenos. Milho e soja servem basicamente para produzir ração para
bovinos, suínos e aves, que vão produzir a proteína animal consumida por
países que estão do outro lado do planeta.
Num momento em que vários países constroem políticas comerciais
mais agressivas - vide o anúncio do novo acordo EUA-União Europeia e a
miríade de acordos asiáticos -, não seria a hora de repensar as nossas
cadeias de suprimento, buscando explorar a combinação de maior
eficiência e valor dos grãos, carnes e lácteos que serão demandados no
futuro?
* Marcos Sawaya Jank é especialista em Agronegócio e Bioenergia, e foi presidente da Unica e do Icone. E-mail: marcos@junk.com.br.
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